A seção “Fala Aí” é o espaço onde apresentaremos opiniões sobre diversos temas relacionados ao autismo.
Escritos por pessoas autistas, familiares e profissionais de diversas áreas, os textos serão publicados mensalmente.
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Francisco Narthagnan Chaves da Silva / Nathan Chaves

 

# A importância da avaliação neuropsicológica: o que é, para que serve e quais são os benefícios

 

 

Você já ouviu falar em avaliação neuropsicológica? Sabe o que é e para que serve esse tipo de “exame”? Muitas pessoas têm dúvidas ou receios sobre esse assunto, mas a verdade é que se trata de um recurso muito útil e importante para a saúde mental e cognitiva. Neste artigo, vamos explicar o que é a avaliação neuropsicológica, qual é a sua funcionalidade, quais são os seus benefícios e como ela pode ajudar você ou alguém que você conhece. Acompanhe!

 

## O que é a avaliação neuropsicológica?

 

A avaliação neuropsicológica é um exame que tem como objetivo investigar, analisar e descrever as funções cognitivas e comportamentais do cérebro. Ou seja, é um mapeamento de todas as habilidades mentais da pessoa, como atenção, memória, linguagem, raciocínio, aprendizagem, entre outras. Além disso, a avaliação neuropsicológica também avalia aspectos emocionais e da personalidade, que podem influenciar no desempenho cognitivo.

 

A avaliação neuropsicológica é realizada por um profissional especializado, chamado de neuropsicólogo, que utiliza testes, escalas e questionários padronizados e validados cientificamente. Esses instrumentos permitem medir o nível de funcionamento de cada função cognitiva, comparando com o esperado para a idade, escolaridade e cultura da pessoa. Assim, é possível identificar se há algum déficit, alteração ou dificuldade em alguma área, bem como as suas possíveis causas e consequências.

 

## Para que serve a avaliação neuropsicológica?

 

A avaliação neuropsicológica serve para diversos fins, tanto clínicos quanto educacionais, jurídicos ou ocupacionais. Veja alguns exemplos:

 

– Diagnosticar transtornos ou condições que afetam o funcionamento cerebral, como Alzheimer, Parkinson, epilepsia, AVC, traumatismo craniano, autismo, TDAH, dislexia, depressão, ansiedade, entre outros;

– Avaliar as capacidades intelectuais, como o QI (quociente intelectual), que pode indicar se há deficiência intelectual, superdotação ou normalidade;

– Investigar as dificuldades de aprendizagem, como a leitura, a escrita e a matemática, que podem interferir no desempenho escolar ou acadêmico;

– Verificar a eficácia de tratamentos, como medicamentos, terapias ou reabilitações, que visam melhorar ou recuperar as funções cognitivas comprometidas;

– Orientar a escolha profissional, a adaptação ao trabalho ou a aposentadoria, considerando as habilidades e os interesses da pessoa;

– Auxiliar em processos judiciais, como a concessão de benefícios, a guarda de filhos, a capacidade civil ou a responsabilidade penal, fornecendo laudos e pareceres técnicos.

 

## Quais são os benefícios da avaliação neuropsicológica?

 

A avaliação neuropsicológica traz vários benefícios para a pessoa que a realiza, bem como para os seus familiares, cuidadores e profissionais envolvidos. Veja alguns deles:

 

– Permite um diagnóstico mais preciso, detalhado e abrangente, considerando não apenas os sintomas, mas também as funções cognitivas, emocionais e comportamentais;

– Facilita a indicação do tratamento mais adequado, personalizado e efetivo, de acordo com as necessidades e os objetivos de cada pessoa;

– Proporciona um acompanhamento mais próximo, sistemático e criterioso, avaliando a evolução, os resultados e os ajustes necessários ao longo do processo terapêutico;

– Favorece a compreensão, a aceitação e a adaptação da pessoa e dos seus familiares à sua condição, oferecendo orientações, esclarecimentos e apoio;

– Contribui para a melhoria da qualidade de vida, do bem-estar e da autonomia da pessoa, estimulando as suas potencialidades, habilidades e recursos.

 

## Como desmistificar a avaliação neuropsicológica?

 

Apesar de todos os benefícios que a avaliação neuropsicológica pode oferecer, muitas pessoas ainda têm medo, vergonha ou resistência em realizar esse tipo de exame. Isso pode acontecer por falta de informação, por preconceito ou por receio de ser rotulado, julgado ou discriminado. Por isso, é importante desmistificar alguns mitos e esclarecer algumas dúvidas sobre a avaliação neuropsicológica. Veja alguns deles:

 

– A avaliação neuropsicológica não é um teste de inteligência, mas sim de funções cognitivas. Ela não tem como objetivo classificar a pessoa como inteligente ou não, mas sim identificar os seus pontos fortes e fracos, as suas dificuldades e as suas facilidades;

– A avaliação neuropsicológica não é um exame invasivo, doloroso ou perigoso, mas sim uma interação entre o neuropsicólogo e a pessoa, que envolve conversas, perguntas e respostas, jogos, desenhos e outras atividades. Ela não causa nenhum dano físico ou psicológico, mas sim proporciona conhecimento e orientação;

– A avaliação neuropsicológica não é um exame definitivo, imutável ou absoluto, mas sim um retrato do momento atual da pessoa, que pode mudar ao longo do tempo, dependendo de vários fatores, como idade, saúde, educação, ambiente, motivação, entre outros. Ela não determina o destino ou o futuro da pessoa, mas sim oferece possibilidades e alternativas;

– A avaliação neuropsicológica não é um exame exclusivo, restrito ou elitista, mas sim um recurso acessível, disponível e democrático, que pode ser feito por qualquer pessoa, de qualquer idade, gênero, classe social, cultura ou religião. Ela não é um privilégio ou um luxo, mas sim um direito e um benefício.

 

## Conclusão

 

A avaliação neuropsicológica é um exame muito importante, útil e vantajoso para a saúde mental e cognitiva das pessoas. Ela permite conhecer melhor o funcionamento cerebral, diagnosticar transtornos ou condições, indicar tratamentos, acompanhar resultados, orientar decisões e melhorar a qualidade de vida. Por isso, não há motivo para ter medo, vergonha ou resistência em realizar esse tipo de exame. Pelo contrário, é uma oportunidade de se conhecer melhor, de se cuidar melhor e de se desenvolver melhor. Se você tem interesse em fazer uma avaliação neuropsicológica, procure um profissional qualificado, que possa te atender com ética, respeito e competência. Você só tem a ganhar!

 

 

Francisco Narthagnan Chaves da Silva / Nathan Chaves

Autista, pai do Junior e da Anna Lis (autistas)

Neuropsicólogo, Supervisor ABA, musicoterapeuta, Mestre em educação, doutorando em Psicologia, Especialista em avaliação psicológica e psicodiagnóstico, Membro da Comissão de psicologia e pessoas com deficiência do Conselho Regional de Psicologia Ceara. Responsável técnico da clinica Mais Afeto Espaço terapêutico.

@autistatempai

@clinicamaisafeto

Kátia Miranda

PRECONCEITO – CAPACITISMO

O preconceito, como o próprio nome diz, é a opinião formada anterior ao conceito. Julgamento sem conhecimento do assunto. É uma postura capacitista de quem vê a deficiência em primeiro lugar e por isso limita a pessoa. Só conseguimos entender quando sentimos na pele esse preconceito. O termo capacitismo é novo, mas a prática capacitista é cultural e deve ser combatida.

Nesses sete anos de caminhada, desde o diagnóstico de autismo do meu filho, senti muito preconceito das pessoas em relação a ele. Muitas falas capacitistas, inaceitáveis, limitando meu filho a uma deficiência sem ver o seu potencial, sem procurar sequer conhecê-lo.

Oziel por não se comunicar com palavras sofreu maus tratos de outras crianças e adultos em alguns ambientes. Teve várias cenas que me marcaram bastante e tenho certeza que a ele também.

Resumidamente, citarei alguns momentos nos quais sentimos o preconceito e o capacitismo das pessoas.

NO PARQUINHO: Levei ao parquinho e ele sempre anda com brinquedos. Neste dia carregava três carrinhos e no parquinho tinha três crianças mais velhas. Oziel se aproximou e entregou um carrinho a cada criança, na tentativa de começar ali uma interação, pois em casa, ensino a ele como brincar e ser amigo. As crianças não o receberam bem, disseram para ele sair dali, que era chato e que não queriam brincar com ele. Ouvir aquilo me doeu na alma, é terrível ver o filho querer interagir e ser maltratado. Mesmo assim, esperei para ver como Oziel resolveria a situação. Na época ele tinha sete anos e as demais crianças por volta de nove anos. Oziel ficou em silêncio e continuou insistindo em dar os brinquedos às crianças e logo percebi que era o momento de entrar na conversa.

As crianças se comportam assim por não serem ensinadas de outra forma, vendo muitas vezes dentro de casa preconceitos dos próprios cuidadores. Me aproximei e falei para eles que não eram obrigados a brincarem com o Oziel mas não podiam ser grosseiros e mal educados. Expliquei ao Oziel que eles não queriam brincar e quando outras crianças dissessem que não, ele simplesmente saísse de perto.

Ficamos no parquinho, as demais crianças saíram. Meu filho sorria como se nada tivesse acontecido. Fiquei me questionando se ele entendeu aquela situação, a rejeição, e logo me dei a resposta: não entendeu todas as palavras mas sentiu os gestos, os olhares. E isso marca, machuca e reprime.

Os cuidadores precisam ensinar o respeito às crianças, pois elas reproduzem o que vem e aprendem. Aqui posso falar da importância da família na inclusão.

NO SHOPPING: Fui com meu filho a um evento no shopping, cuja temática era o autismo. Oziel queria ir embora e devido ao barulho, se desorganizou. Sentada no chão, encostada na parede, coloquei ele em meu colo, na tentativa de acalmá-lo. Não estávamos atrapalhando, a passagem estava livre para as pessoas circularem no shopping. Ele chorava e gritava quando um segurança de uma das lojas nos abordou dizendo que estávamos atrapalhando a movimentação do lugar. Fiquei horrorizada com aquela fala! Em nenhum momento ofereceu qualquer ajuda, nem perguntou o que estava acontecendo. O que importava era que estávamos incomodando.

Levantei o olhar para ele e disse que fosse mais empático, que oferecesse ajuda e procurasse entender o que estava acontecendo, em vez de simplesmente dizer que estávamos incomodando. Expliquei também que ali se tratava de uma criança com autismo, que tem crises e que tem dificuldades para se autorregular, que precisa de um tempo, de calma e de compreensão. Quando ele ouviu a palavra autismo lembrou do evento que estava tendo no shopping, pediu desculpas e se retirou. Ainda assim, não ofereceu ajuda.

É preciso falar sobre autismo em todos os ambientes para que a sociedade conheça essa deficiência invisível.

NO ÔNIBUS: Dentro de ônibus são incontáveis as vezes que enfrentamos grosserias, preconceito e falta de empatia. Em primeiro lugar, as pessoas não cedem a cadeira, mesmo informando que se trata de uma pessoa com deficiência. Algumas oferecem o colo! Tenho que pedir a cadeira porque o ônibus está sempre lotado. Ele precisa estar sentado na cadeira para fazer uma viagem menos perturbadora. Os sons diferentes dentro do ônibus, as conversas, o barulho do motor, o movimento de outros transportes do lado de fora, as freadas, são inúmeros os estímulos para o Oziel processar.

Outra situação que causa indignação é o tratamento que muitos motoristas dão às mulheres com crianças. Com total desrespeito e machismo, não esperam nossa descida, querem sempre agilizar. Uma vez o Oziel não queria descer do ônibus, ficou segurando a cadeira. Pedi, então, ao motorista que esperasse um pouco, e, mesmo explicando que se tratava de uma pessoa com deficiência, o motorista partiu, sem qualquer empatia. O autista, por ter uma deficiência não visível, é tratado como uma pessoa mal educada, sem limites e birrenta. E de quem é a culpa? Do cuidador, que não ensinou.

NA ESCOLA: Em escola a “luta” é grande. O lugar que mais deveria acolher e incluir é a maior barreira que o meu filho já enfrentou. Chegou um comunicado da escola do meu filho sobre a realização de um passeio. Li e autorizei sua participação. A coordenação me chamou e disse que não seria bom pra ele, que poderia se desorganizar pois tinha uma parte barulhenta no passeio. Pensaram apenas nas dificuldades e na possibilidade de não dar certo. Nem cogitam a possibilidade de dar certo, dele curtir o passeio. Como havia uma auxiliar que ficava com ele, falei que seria interessante enviá-la como apoio, para dar atenção a ele. A escola respondeu que não poderia enviá-la, considerando a quantidade de pessoas que iriam. Sugeri, então, eu ir junto. Considerando minha persistência, a escola autorizou minha ida, mas não houve nenhuma ajuda. Pedi para levar um brinquedo pois Oziel precisava de um atrativo, algo que o motivasse e o deixasse bem num lugar diferente, mas não permitiram, segundo as regras do local. Como eu era ainda inexperiente, não levei o brinquedo e Oziel não conseguiu entrar no ônibus do passeio. Faltou a parceria entre a escola e a família. Eu acreditava que daria certo porque ele já tinha ido a dois passeios, um sem minha presença, só com os profissionais da escola e outro comigo. Todas as vezes tive que intervir e insistir para que meu filho participasse e fosse incluído. A inclusão é algo que anda a passos de tartaruga e se não formos em busca de seus direitos, não haverá mudanças.

NO SUPERMERCADO: Oziel ama passear em supermercados. Olha as frutas, suas cores e formas, os biscoitos variados e seus diferentes sabores. Teve uma época que queria trazer um pacote de biscoito de cada sabor, e assim foi com outros produtos. Foi uma fase de aprendizado e muitas crises até entender que não podia trazer todos os sabores para casa sempre que quisesse. Enquanto fazemos as compras Oziel quer a atenção das pessoas, toca e diz Oi! Algumas respondem e ele fica todo feliz, outras se assustam, e ele fala novamente, Oi! Nem todos respondem. Será tão difícil responder um oi, um olá? Oziel insiste. Quando percebo que realmente a pessoa não quer dar atenção, olho para Oziel e digo que algumas pessoas não irão responder, que ele dê um oi e siga adiante. E seguimos para novos aprendizados. Ensino que se deve dizer oi, olá, bom dia, ser gentil e educado com as pessoas e que nem sempre irão dar atenção à sua fala. Isso é um pouco triste, parece incoerente, mas é realidade.

Kátia Miranda – Pedagoga, escritora, especialista em Ensino de Matemática.

@katia.miranda31

https://youtube.com/@katia.miranda

Isla Silva

 

O Psicopedagogo no atendimento de pessoas com TEA, tem a função de avaliar, investigar, detectar dificuldades e habilidades.

São utilizados instrumentos avaliativos para a identificação das principais demandas para elaboração do Plano de Ensino Individualizado – PEI, documento que constam as metas e estratégias de ensino para o aprendente.

Além disso é realizado o trabalho de orientação para adaptação de atividades e planejamento de intervenção individualizada.

Nicole Bastos

Habilidades Sociais e Autismo

 

O Transtorno do Espectro Autista é uma desordem do neurodesenvolvimento que tem como uma de suas características principais a dificuldade na comunicação e interação social. Sendo assim, as pessoas no espectro comumente apresentam, em maior ou menor grau, um déficit no conjunto de comportamentos sociais, que variam desde habilidades sociais básicas como fazer contato visual, iniciar interações, compartilhar interesses, até as mais complexas como resolução de conflitos ou agir de acordo com regras sociais implícitas.

 

Esses déficits, se não aprimorados, podem prejudicar a qualidade de vida dessas pessoas e causar dificuldades nas relações sociais, nas habilidades acadêmicas e na inclusão no mercado de trabalho, por exemplo. O treino de HS, portanto, pode trazer benefícios para pessoas autistas de todas as idades, até mesmo aquelas que receberam o diagnóstico na vida adulta.

 

Em muitos casos, é necessário que haja um contexto especial para o treino dessas habilidades. Assim como para outros déficits, a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é indicada para intervir nas dificuldades sociais de pessoas com TEA.

 

Diferentes estratégias como uso de Histórias Sociais, Intervenções Mediadas por Pares e Modelação por Vídeo estão entre as práticas baseadas em evidências para o treino de habilidades sociais nos indivíduos com TEA. 

 

É muito importante buscar ajuda especializada de profissionais que possam avaliar o repertório do paciente, identificar as dificuldades de aprendizagem e as habilidades específicas que necessitam de intervenção. Lembrando sempre que o treino de habilidades sociais deve levar em conta os comportamentos socialmente relevantes para o indivíduo e fazer parte de um plano de tratamento, com objetivos claros e mensuráveis, com programas que devem evoluir gradativamente, na medida em que as habilidades sejam aprendidas e dominadas.

 

Nicole Bastos  – Psicóloga, especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA.

 

@psicologa.nicolebastos

Vagner Rabelo

Ouvir música, em especial sua música favorita, proporciona um estado agradável de bem-estar o que facilita a concentração, o desenvolvimento do raciocínio e estimula a criatividade, fatores que facilitam o relaxamento.

Nesse viés, ouvir música pode reduzir os sintomas de ansiedade, isso ocorre por meio do neurotransmissor denominado dopamina que desempenha várias funções cerebrais e corporais. Algumas dessas funções são: regulação do humor, apetite e sono, controle de funções motoras, favorece o desenvolvimento de raciocínio lógico, concentração e estimula a memória.


A musicoterapia promove efeitos surpreendentes no desenvolvimento do ser humano e contribui no tratamento de transtornos neurológicos, seus benefícios podem ser experimentados por todos que desejam uma vida mais equilibrada.

Vagner Rabelo, Musicoterapeuta

Daiane Rocha

Me chamo Daiane Rocha e, há 21 anos, tenho o privilégio de trabalhar cuidando da saúde bucal e buscando melhorar a qualidade de vida dos meus pacientes. Sempre acreditei que a odontologia deveria ser mais abrangente, integrativa, com olhar diferenciado e mais humanizado.

As técnicas se aperfeiçoam, materiais novos surgem no mercado, mas é a busca por informação e a adequação às novas realidades e demandas que precisam ser priorizadas para que nosso trabalho possa realmente fazer a diferença.

Há 1 ano meu filho, Luca, recebeu o diagnóstico de TEA, aos 13 anos e, desde então, um mundo novo vem se abrindo para mim, na minha vida pessoal e, claro, na minha rotina profissional. E eis que surge a busca por estudos, tratamentos e sobre a atuação da Odontologia com pacientes que estão no espectro autista.

O acolhimento sincero, atenção integral e o contato visual para conquistar sua confiança, gradativamente, são fatores fundamentais na interação profissional com esses pacientes, para que eles se sintam num ambiente seguro e seja criado um vínculo.

Mas hoje, de forma objetiva, preparei algumas dicas práticas sobre aspectos de uma Odontologia diferenciada para esse universo de pacientes mais que especiais.

  • Agendamento de consultas: Solicite ao profissional que reserve sempre um horário mais longo para facilitar a adaptação, lembrando que a pontualidade é importante para que o paciente não espere muito tempo. Além disso, dar prioridade aos horários, dentro da rotina do paciente, em que ele esteja mais disposto, sem sono e que tenha se alimentado bem.
  • Prevenção é a chave: Nunca demorar intervalos muito grandes entre os retornos. Isso aumenta as chances de evitar ocorrência de problemas bucais e procedimentos mais invasivos, que possam gerar mais trauma ao paciente ou mesmo a necessidade de atendimentos com uso de sedação ou anestesia geral.
  • Higiene Bucal: A dificuldade de alguns autistas em entender comandos é algo que pode ser contornado através da música, repetições, uso de imagens, desenhos ou vídeos demonstrativos. Essas podem ser boas maneiras de ajudar na fixação, imitação dos passos e execução das técnicas de higiene bucal. A ordem e a repetição, diariamente, ajudam a estabelecer uma rotina de higiene bucal.
  • Fio Dental: Também podem variar em cor, sabor e textura, o paciente deve escolher um que se sinta mais confortável e que se adapte melhor ao espaço entre os dentes. O uso de alças para levar o fio até a boca pode facilitar o seu uso.
  • Escovas Dentais: Atualmente o mercado já dispõe de escovas sensoriais, com cerdas em silicone, geralmente com formato em “U”, que escova os 3 lados do dente ao mesmo tempo. Isso ajuda quem tem maior sensibilidade tátil, além de reduzir o tempo de escovação. A “dureza” dessas escovas pode ser controlada conforme a temperatura da água (quanto mais quente a água, mais macias as cerdas). Ideal também ter cabeça de tamanho pequeno e um cabo mais longo. Em alguns casos, pode-se adaptar o cabo com elástico ou uma almofadinha de espuma de borracha. Por fim, a escova deve ter um design atraente (ver cores, personagens ou temas conhecidos). As escovas elétricas ou musicais, bem como uso de alguns aplicativos de escovação com personagens podem gerar maior motivação em alguns casos. Mas há ainda casos onde escovas comuns podem ser usadas, isso varia conforme a cognição e a situação de cada paciente. Comumente é necessário experimentar várias opções até encontrar uma escova com a qual o paciente mais se adapte.
  • Cremes Dentais: Podem variar em cor, sabor e textura, mas de forma geral, o ideal é que sejam sem sabor ou com sabor muito suave. Ter gosto bom e agradável pode estimular a ingestão do produto. Quanto à textura, cremes dentais muito abrasivos devem ser sempre evitados. Há algumas controvérsias em relação ao uso do flúor nesses pacientes. Mas de forma geral, se o paciente tiver a capacidade e o entendimento de “cuspir”, podem ser usados cremes dentais com flúor para auxiliar na prevenção de cáries.
  • Limpeza Lingual: Apesar da escassez de pesquisas e estudos específicos sobre esse tema, a limpeza lingual pode e deve ser realizada em pacientes com TEA, mas dependerá de cada caso e do condicionamento de cada paciente. Essa limpeza pode ser realizada, suavemente, com raspadores linguais ou mesmo com as cerdas de uma escova dental macia (como se estivesse “varrendo”), mas não usando as cerdas “de frente” para a língua e sim, lateralmente.

Em algumas crianças ou mesmo em adultos com muita sensibilidade, pode ser útil começar fazendo uma “limpeza bucal” com um pano, gaze ou esponja pequena, até que se acostumem com as sensações na boca. Aos poucos, você pode passar para o fio dental, as cerdas da escova, o creme dental e até mesmo a limpeza lingual.

Daiane Rocha

Dentista

Ana Patrícia Praciano

Relato de experiência sobre vacinar crianças com deficiência.

Já vivi inúmeras experiências na minha carreira profissional: inusitadas, engraçadas, emocionantes e muito desafiadoras, mas nenhuma conseguiu chegar no grau de satisfação como a de trabalhar com as vacinas contra a covid-19 e estar diretamente ligada à crianças com diferentes deficiências.

Já vivenciei situações em que só consegui conter o choro durante o procedimento e ao finalizar, sair correndo para o banheiro para desabar em choro lá dentro por ficar tão tocada e emocionada com a situação. Isso acontecia até com uma certa frequência quando essas crianças tinham transtorno do espectro autista –TEA, pois já vivi essa experiência magnífica de na época da faculdade ser babá de uma criança com autismo e desde então minha atenção ficou voltada quase que 100% para este tema. Por já ter essa experiência tenho um olhar mais específico em relação às crianças e isso me ajudava quando de longe conseguia ver que a criança que estava vindo tinha algo de diferente e já me preparava para naquele momento viver várias situações e quantas fossem necessárias para que essa criança pudesse sair imunizada daquele ponto de vacinação.

Dentre essas situações, ficar sentada no chão, abraçar a criança, conversar, brincar, ficar por muito tempo brincando com ela sentada no chão e descobrindo as diferentes informações do trem verde, que tinha várias rodas, mais só podia sair depois de 16h e não podia levar ninguém dentro desse trem.  Ainda desse mesmo trem descobri todas as informações de todos os tons de verde existente na terra pois nesse dia essa criança do trem só deixou ser vacinado depois que sentei com ele chão, fiquei um tempo sentada na frente dele calada, só mostrando pra ele que eu estava ali pra ele no tempo dele, depois de um certo tempo ele me chamou e disse que aceitava se vacinar se eu segurasse a mão dele pra ele me contar tudo sobre o trem verde dele e só depois podia vacinar ele e assim foi feito. Passados exatamente 35 minutos foi que ele aceitou tomar a vacina, expliquei todo o procedimento pra ele e inclusive mostrei a agulha, pois ele queria ter certeza do que ia acontecer e assim finalizamos todo o processo e ele foi vacinado. Descobri muitas informações e ainda ganhei um beijo na bochecha e um obrigado: “tia, a senhora é muito legal”.

Dentre tantas outras experiências emocionantes que já vivi, essa toda vez que lembro aquece meu coração. Se eu parasse pra contar aqui, não terminaria hoje. 

Recentemente minha sobrinha\afilhada foi diagnosticada com autismo e se já era uma causa que eu lutava e amava há muito tempo, agora ficou cravada no meu coração para sempre.

Tenhamos sempre em nossas mentes que ser diferente é normal.

 

Ana Patrícia Praciano

Enfermeira

Álvaro Fontes 

 

Meu nome é Álvaro Fontes, sou faixa preta 3º grau de jiu-jítsu (22 anos de prática no esporte), sou educador físico, head coach da equipe Ser Jiu-jítsu, professor, competidor e proprietário da academia Imperator Complexo. Sou pai do Artur Fontes que está no espectro autista. 

Venho através do meu depoimento mostrar como o Jiu Jitsu pode ser fundamental para ajudar pessoas que estão no espectro autista, trazendo mais saúde e proporcionar uma vida mais saudável e feliz.

Artur tem 7 anos, sempre o deixei muito à vontade em relação a treino. Nunca forcei a barra, nas primeiras aulas não ficava 10 min e já dispersava, tentamos algumas vezes, acabamos deixando de lado, mas sempre falei dos benefícios do jiu-jítsu pra ele e como é legal, divertido e importante para a formação dele. Quando eu chegava em casa das competições sempre colocava as medalhas nele ou o cinturão ou o troféu e estimulava o chamando de campeão e que ele também pode ganhar as dele. Até que um dia ele começou a pedir para ir treinar. Passou uma semana inteira pedindo todos os dias aí resolvemos colocá-lo no jiu-jítsu segunda, quarta e sexta; e no judô as terças e quintas. Ele adora! Só falta quando nós não podemos levá-lo. Faz as aulas inteiras, participa das atividades propostas e como ele vem melhorando, desenvolvendo o convívio social, a interação, o trabalho em equipe que é bastante estimulado nas aulas, a psicomotricidade. As lutas, os esportes em geral melhoram muito o repertório cognitivo das crianças, elas precisam ganhar repertório motor, construção que vão levar para a vida toda, facilitando muitas outras atividades. Traz mais autoconfiança, destreza nos movimentos, postura, tônus muscular, resolução de problemas, velocidade de reação, coordenação, mobilidade, flexibilidade, lateralidade, proporciona novas amizades, ajudar e ser ajudado pelos parceiros de treino e inúmeros outros benefícios. 

É muito bom ver como o Jiu-jítsu pode melhorar a vida de todos os seus praticantes, pois é um esporte que vai além das medalhas. 

O Jiu-jitsu é uma excelente ferramenta que pode contribuir para quem tem dificuldades no convívio social, no controle da agressividade que é gerada por não conseguir expressar algum sentimento da forma desejada, ajuda a desenvolver e ter autocontrole, controle da respiração, manter a calma em situações de desconforto, disciplina, todos os ensinamentos que se levam para o dia-a-dia. 

Aprende sobre perder e ganhar. A lidar melhor com o “não” e a frustração.

É preciso mostrar que entendemos a dificuldade, mas que é possível conseguir, basta continuar tentando. Dessa forma, a criança vai errando e aprendendo a lidar com a frustração até conseguir.

O jiu-jítsu pode mudar vidas!! 

Vamos nos conscientizar e ajudar a propagar o nosso esporte para que todos que estão no espectro tenham uma vida melhor e mais feliz!

Mauro Costa 

 

Ser Pai é mais do que estar sempre ao lado, acompanhar, orientar, apoiar, corrigir, se alegrar, se preocupar, incentivar.

É sentir a grandeza de ser exemplo para seus filhos e filhas, mesmo quando você se sente fraco ou vulnerável.

É tirar a vestimenta de super-herói e abraçar a humanidade que existe em viver todos os dias, aqueles muito bons e aqueles nem tanto.

É também colocar a mesma capa e ser o ídolo que nossos pequenos tanto amam.

Ser Pai é um estado de espírito! O Renan e o George me ensinam essa lição todos os dias! Certamente é assim também com você, amigo Pai da FAZ!

Feliz Dia dos Pais!

Mauro Costa – jornalista, diretor da AD2M Comunicação e pai do Renan e George.

Rebeca Botelho

Como psicopedagoga escolar e com casos de TEA na família, é natural que se desenvolva um olhar mais apurado para perceber alguns sinais de autismo ainda muito cedo.

Observando crianças com traços de TEA na educação infantil e compreendendo a urgência de se obter não apenas um diagnóstico, mas principalmente as intervenções precocemente, meu coração acelera no desejo de que as famílias percebam a necessidade e se movam em direção aos estímulos adequados.

Mas, nesse momento, nos deparamos com perfis de família muito diferentes e que, nem sempre, caminham ao lado da escola na parceria que tanto desejamos.

Quando chamamos as famílias para conversar sobre o desenvolvimento do aluno e solicitar algumas avaliações, seja por qual motivo for, há pais que ainda com certo desconforto, agem prontamente. Vencem os medos, a insegurança e a paralização e se lançam no universo da investigação.

Outras famílias andam em direção oposta. É extremamente comum encontrarmos pais reativos, que rejeitam as observações da escola, que sequer consideram real as pontuações levantadas em sala de aula.

Compreendemos que a mente humana usa artefatos variados para fugir da realidade quando há medo ou dor envolvida, portanto, entendemos as dificuldades dessas famílias e, por isso, nosso trabalho é delicado, exige muita habilidade de dialogar, precisa estar alicerçado no amor à criança e ter empatia com a dificuldade da família de enfrentar a situação.

Mas ainda que haja boa vontade, desejo de ajudar, paciência para caminhar ao lado da família até que ela aceite o que a escola propõe, infelizmente, algumas famílias são capazes de fugir de um diagnóstico por muitos anos.

Acompanho uma família que por mais de 2 anos se recusou a fazer qualquer tipo de investigação sincera. Eles já chegaram a ir em 5 neuropediatras, começaram terapias em clínicas diferentes, mas abandonavam o profissional quando ele levantava a hipótese de TEA e queriam enquadrar a criança em outro diagnóstico que lhes parecia menos ” difícil” de lidar (na concepção dessa família).

O resultado foi um grande desgaste da relação família e escola e, principalmente, de uma perda enorme para a criança, que não teve atendimento adequado em uma janela de 3 anos.

O papel da escola é olhar cada criança como única, como sujeito dotado de talentos e capacidades individuais e que tem possibilidades de se desenvolver dentro de qualquer limitação. Para tanto, a escola necessita desenvolver estratégias para que cada criança consiga atingir novos níveis de crescimento. Em uma pluralidade tão grande de diferenças, imagine o quanto temos que trabalhar em cada sala de aula sob uma ótica individual. 

Mas para alguns casos é fundamental a escola se certificar que suas estratégias estão sendo adequadas, muitas vezes precisando de um diagnóstico para ser mais assertiva em suas posições. Sem respostas, a escola corre o risco de fazer tentativas inadequadas ou não bem direcionadas, perdendo também a oportunidade de ajudar a criança a atingir outros níveis de desenvolvimento.

Por isso é tão importante a clareza na comunicação família – escola. Só a unidade de compromisso entre ambas pode ajudar, de fato, a criança.

Para qualquer tipo de diagnóstico, é o diálogo constante, a troca de informações permanente, a confiança, o desenvolvimento de estratégias conjuntas entre escola e profissionais que atendem essa criança e o desejo de ajudar que poderá trazer resultados positivos nesse rico processo de construção humana.

Rebeca Botelho – Pedagoga e Psicopedagoga Escolar

@ensinandoebrincando

Bruno Verga

Treinamento parental e a estimulação comunicacional por meio de recursos musicais na pessoa com TEA.

Olá, vamos falar um pouco sobre o uso funcional da música nos ambientes familiares?

Tendo em vista que a música como fenômeno humano, faz parte desde tempos remotos do cotidiano da nossa sociedade, a utilização dela como meio de socialização, desde os tempos antigos, como as primeiras civilizações, se reunindo para celebrar ou cultuar, assim como nos dias atuais, em casa de shows, teatros ou mesmo em festas familiares, proporcionando consequentemente a comunicação entre nós. Mas a respeito de pessoas atípicas, será que a música pode favorecer essa comunicação? E a resposta é sim.

Por exemplo, a música aplicada nos déficits de interação social no autismo. As pesquisas vêm se direcionando cada vez mais para esse tema. Segundo o estudo de revisão sistemática da National Clearinghouse on Autism Evidence and Practice – NCAEP (2020), as intervenções mediadas por música estão entre as 28 práticas com evidências mostrando-se eficazes ao tratamento. A Educação Musical especial e a Musicoterapia são duas áreas em que os profissionais tem maior propriedade de utilizar essa linguagem como meio de estimulação direcionada a essa população, apresentando resultados que demonstram o potencial do meio musical para crianças autistas em ensaios randomizados. Entretanto, outros profissionais como fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicólogos, entre outros, também se utilizam da música como recurso paralelo nas suas práticas.

Contudo, questionamentos podem ser levantados, como: Em meio a um país como Brasil, com proporções continentais, e com um crescente índice de diagnóstico de autismo, será que temos uma demanda suficiente de profissionais qualificados que se utilizem desse recurso musical de maneira funcional para o desenvolvimento de habilidades comunicacionais no Autismo? Tudo indica que “não”, pois a demanda de profissionais qualificados para o trabalho, está bem abaixo do que seria o ideal. E qual seria uma das estratégias para diminuir essas escassez?

Assim como a Analise do Comportamento Aplicada (ABA), que utilizam Acompanhantes Terapêuticos – ATs (ou aplicadores), ou seja, pessoas treinadas para implementar um programa de estimulação para o desenvolvimento de habilidades, inclusive pais, percebemos que é possível esses responsáveis e outros profissionais utilizarem da música de maneira funcional e estruturada, um trabalho totalmente técnico e responsável.

Se apropriando de atividades musicais para estimular domínios específicos ligados à comunicação social, tais como, “Interação Social”, “Comunicação Receptiva”, “Comunicação Expressiva” e estimulação na “Motricidade Orofacial”, facilitando a organização da emissão da fala, trabalhando a dicção e o processo respiratória de maneira funcional. Por isso que um treinamento parental, que fornece aos responsáveis estratégias de ensino de habilidades sociais por meio da música, que se torna perfeitamente aplicável no cotidiano das crianças com TEA, se torna importante existir.

Desta forma, os pais poderão usar a música como ferramenta estruturada e sistemática em sua prática funcional, contribuindo para o tratamento de crianças dentro do Espectro do Autismo, respeitando a singularidade de cada autista.

Por fim, é pertinente enfatizar que esses treinamentos parentais, não tratam-se de um método ou técnicas musicoterapêuticas, e nem muito menos musicoterapia em si, pois os aspectos subjetivos e clínicos da música, assim como a musicalidade clínica é de competência do profissional musicoterapeuta, que é o profissional qualificado para usar instrumentos avaliativos e técnicas especificas, pertencentes a área da musicoterapia.

Bruno Verga

Musicoterapeuta

Kassiane Costa

Então você é mãe e, sem esperar, se depara com o diagnóstico de autismo do filho. Vê todo seu maternar se transformar. Muda a dinâmica da casa, os planos, as expectativas, as amizades, as prioridades. Você adquire um novo “hobby”, ler sobre autismo. Vai aprendendo, conhecendo outras famílias, ouvindo os autistas, entendendo sobre capacitismo e se desconstruindo. Você se acha muito desconstruída por publicar textão na internet com a hashtag #xocapacitismo. 

E aí você vai lendo tanto, ouvindo tanto, que começa a notar que aquelas peculiaridades, que te acompanharam a vida toda, talvez não sejam só seu “jeitinho de ser”. Depois de muito pensar e repensar, decide enfim marcar uma avaliação com um profissional, porque, vai que, né? E adivinha o resultado dessa tal avaliação? Um diagnóstico de autismo, associado a altas habilidades, aos 35 anos.

E aí você se dá conta do quão capacitista é. Por mais desconstruída que pensei que fosse, minha primeira reação foi: “mas como assim eu sou autista, se não tenho prejuízos suficientes?”. A pessoa se acha “boa demais” pra ser autista. Shame on me!

“Existe alguma chance de eu ter sabotado os testes pra ser autista e parecer mais com meu filho?”, foi o que perguntei pra neuropsicóloga. Ela disse que não teria como. Foram 11 testes, 5 sessões com ela, mais 2 com a psiquiatra. Um trabalho meticuloso, não teria como burlar o sistema.

Mas, afinal, o que é prejuízo suficiente? Quem diz o que é suficiente ou não? Quem sabe a batalha interna travada todos os dias? 

Não saber comprar uma roupa sozinha é prejuízo suficiente? Não saber cozinhar porque não entende conceitos como “sal a gosto”, “até dourar”, “até o ponto”, “uma pitada” é prejuízo suficiente? Não lembrar de comer se estiver sozinha? Ter dificuldade de reprogramar o dia quando um compromisso é desmarcado? Não conseguir estabelecer prioridades do que precisa ser feito? Fugir de tarefas quando percebe que não vai conseguir realiza-las em pouco tempo? Conviver quase que diariamente com dor de cabeça e/ou aftas por conta de estresse ou demanda excessiva? Ter muita dificuldade em dizer quando algo não te agrada e acabar fazendo muita coisa só pra agradar aos outros? Conhecer alguém e olhar insistentemente para o seu rosto, na tentativa (frustrada) de conseguir lembrar dele depois, e mal prestar atenção no que a pessoa tá falando? E depois passar por situações constrangedoras por não ter a menor ideia de quem é aquela pessoa que você já deveria conhecer. 

Talvez para algumas pessoas essas “pequenas coisas” não sejam prejuízos suficientes porque, afinal, você consegue trabalhar, ter filhos, cuidar de casa, viver sua vida, como viveu até então sem um diagnóstico. Você é funcional. E onde já se viu uma pessoa com deficiência ser funcional? (Contém ironia). 

Eu entendo essas pessoas porque eu mesma me senti assim. Levei um tempo pra divulgar porque não me sentia preparada pra responder perguntas do tipo “tem certeza desse diagnóstico?”. Como eu podia responder, se essa certeza ainda não fazia morada no meu coração? Não é porque eu tenho um filho autista que não sou capacitista. É estrutural, todos nós somos. E o primeiro passo é assumir isso. Tem sido uma desconstrução diária desde o diagnóstico e posso dizer que colocar tudo isso pra fora me deixou muito mais leve. 

No dia da minha devolutiva, a psiquiatra perguntou o que mudaria daqui pra frente. A verdade é que não sei. Mas sei que autoconhecimento liberta. Sei que me entender me faz respeitar meus momentos, minhas angústias e minhas necessidades. Não espero que entendam, muito menos que não questionem. Só espero que respeitem. 

Kassiane Costa

Farmacêutica, escritora, infoprodutora, idealizadora do @autismocomleveza , mãe do Vinícius e da Zara e autista.

Ticiana Maria Pinto Moreira Aires

O TEA(MAR) tem como objetivo principal a inclusão esportiva e social da pessoa com TEA. Dessa forma, utilizando-se do stand up paddle, esporte que não oferece restrições de idade, conta com benefícios que abrangem também o desenvolvimento da coordenação motora, equilíbrio, comunicação, interação social e aspectos sensoriais utilizando o ambiente praia, difundindo também noções de educação ambiental.

Aspectos como a superação de medos, a vivência e a possibilidade de aprendizado para lidar com as frustrações e a persistência para alcançar seus objetivos são trabalhados a cada vivência .

Ticiana Maria Pinto Moreira Aires– Neuropsicóloga

Narthagnan Chaves

 

“Meu filho autista é não verbal, não sei mais o que fazer pra ele me obedecer, todo dia quando chego do trabalho ele apronta alguma coisa”!


Esse foi um caso de um paciente que vou partilhar com vocês!

Eu já escutei essa fala algumas vezes de pais que se deparam com essa situação, você conhece alguém que já vivenciou essa experiência?

Vou lhe ajudar a entender um pouco mais sobre comportamentos disruptivos ou inapropriados.


Para a análise do comportamento todo comportamento tem uma função. O primeiro passo é fazer uma análise funcional desse comportamento, qual a função desse ato de bater…
No caso desse paciente o objetivo era ter atenção dos pais.
Sim….
Atenção dos pais…
Você precisa analisar o que chamamos tríplice continência – Antecedente x resposta x consequência.

O que vem antes do ato de bater, o que acontece depois dele bater?

A mãe passava o dia trabalhando sempre ao chegar a criança pegava algo que não era pra fazer, quebrava algo, a mãe por sua vez começava a brigar… ia até a mãe e a batia, após isso a mãe começava a brigar com a criança novamente… Nesse caso a mãe dava toda atenção quando a criança estava fazendo algo que era inapropriado, (reforçava o comportamento).

A criança conseguindo aquilo que queria, a atenção da mãe!

 
Narthagnan chaves
Psicólogo
Músicoterapeuta

Fernanda Cavalieri

A atuação do Profissional de Apoio Escolar (PAE) com alunos autistas
 
Também chamado de itinerante ou acompanhante escolar, o Profissional de Apoio Escolar (PAE), é o profissional que atua no âmbito da acessibilidade às comunicações e da atenção aos cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção dos alunos com deficiência (Nota Técnica Nº 19 / 2010 / MEC / SEESP / GAB). Porém, até os dias atuais não temos diretrizes práticas sobre esse tema tão relevante. 
     
O que sabemos é que se trata de um direito garantido por lei e que o custo desse profissional é de responsabilidade da rede de ensino – pública ou privada (Leis federais 13.146/15 e 12.764/12).
 
Mas muitas questões ainda estão sem respostas:
Quais são as atribuições, na prática, do PAE?
Quando é necessário que o aluno tenha o acompanhamento de um PAE?
Quem/que profissional decide se determinado aluno tem necessidade de ser acompanhado por um PAE?
Qual a formação desse profissional?
 
Se tratando de alunos autistas matriculados na rede regular de ensino, muitos deles apresentam necessidade de serem acompanhados por um PAE.
Apesar da grande demanda atual, o que vemos é que esses profissionais nem sempre têm formação – inicial e continuada – para lidar, por exemplo, com crises de sobrecarga sensorial, comportamento auto ou heterolesivo, comunicação alternativa e ampliada e, muitas vezes, realizam apenas o papel de cuidador das necessidades básicas.
 
Vale lembrar que “não é atribuição do profissional de apoio desenvolver atividades educacionais diferenciadas, ao aluno público alvo da educação especial, e nem responsabilizar-se pelo ensino deste aluno” (Nota Técnica Nº 19 / 2010 / MEC / SEESP / GAB) – essa função é do professor da turma.
 
Mas o PAE também exerce papel de educador à medida que aplica as atividades planejadas pelo professor; intervem/facilta as relações entre os alunos; acompanha o aluno em todas as atividades e espaços escolares. Além de lidar com situações de rigidez cognitiva, sensibilidades sensoriais e comportamentos disruptivos, dentre outras demandas apresentadas por alunos autistas.
 
E, por isso, é tão importante que os PAEs recebam orientações adequadas. 
 
 
Fernanda Cavalieri- Pedagoga

Leliane Soares

Alterações Sensoriais que interferem no comportamento da criança com TEA

Todos nós, vivemos uma vida sensorial. A diferença é que “sensorial” tem um significado diferente para cada pessoa. Alguns de nós realmente gostamos de nos tocar, enquanto outros preferem que as pessoas mantenham distância. Algumas pessoas são exigentes em relação à comida, e outras pessoas comerão tudo o que virem pela frente.

Embora as pessoas não estejam cientes disso, sons, visões, toques, sabores, cheiros e movimentos nos afetam o dia todo.

O dia a dia é cheio de oportunidades sensoriais. Às vezes, essas oportunidades são úteis às nossas rotinas e, às vezes, as oportunidades sensoriais interferem negativamente no cotidiano da pessoa. Obter somente a quantidade certa de cada impulso sensorial pode ser complicado. Pequenos ajustes podem fazer pequenas diferenças em como o dia seguirá. Pense nos pequenos ajustes que você pode fazer para melhorar e mudar o seu dia e o dia daquela criança. Talvez, uma escova dental em particular seja muito dura e deixe sua boca formigando, talvez, um novo sabão deixe a sua roupa de cama estranha, e assim, você não consiga descansar bem.

As alterações sensoriais são comuns e geralmente causam conflitos nas crianças com transtorno do espectro do autismo, porém não são específicas do autismo, sendo uma característica frequentemente descrita também em indivíduos com deficiência intelectual. Três principais padrões sensoriais foram descritos no transtorno do espectro do autismo: hiporreatividade, hiperreatividade e busca sensorial. Hipotetizamos uma deficiência não apenas das modalidades não sensoriais, mas também da integração multissensorial.

Essas alterações são características muito frequentes que geralmente não são percebidas devido às dificuldades de comunicação dessas crianças. Elas podem afetar negativamente a vida de crianças e adultos com Transtorno do Espectro Autista e seus familiares.

Algumas crianças podem apresentar: fascínio visual por luzes, objetos que rodam, respostas adversas a sons ou texturas específicas, cheiro ou toque excessivo de objetos, aparente indiferença a dor, calor ou frio.

As alterações sensoriais nas crianças com TEA, também podem afetar seu comportamento na realização de atividades diárias, como por exemplo: na alimentação, higiene pessoal/bucal, dormir, vestuário, rotinas, entre outros; e fora de casa, essas alterações podem gerar conflitos e problemas, tal como numa viagem, na escola, num momento de lazer com a família, entre outros.

No contexto de intervenções sensoriais são diferenciadas as terapias de integração sensorial (“centradas na criança”) e intervenções sensoriais (“direcionadas aos adultos”). A primeira são intervenções clínicas que usam atividades lúdicas e interações sensoriais aprimoradas para melhorar as respostas adaptativas a experiências sensoriais. Por meio de atividades motoras brutas que ativam os sistemas vestibulares e somatossensoriais, essas intervenções visam a melhorar a capacidade de

integrar informações sensoriais, onde levam a criança a adotar comportamentos mais organizados e adaptativos, inclusive atenção conjunta melhorada, habilidades sociais, planejamento motor e habilidades perceptuais. Nesse contexto, a terapeuta escolhe um “desafio justo” (ou seja, uma atividade que seja somente um pouco acima do que a criança atualmente consegue fazer sem dificuldade) das habilidades emergentes da criança e reforça suas respostas adaptativas ao desafio. Por outro lado, as intervenções sensoriais são feitas em sala de aula e usam estratégias unissensoriais (por exemplo, bolas terapêuticas ou coletes com peso) para influenciar o estado de excitação, na maioria das vezes basicamente com vistas a reduzir um estado de alta excitação que pode ser clinicamente manifestado como comportamentos de inquietação, hiperatividade e autoestimulantes.

As experiências sensoriais em indivíduos com TEA são relatadas como angústia/ansiedade, bem como fonte de fascínio/interesse. Por outro lado, angústia/ansiedade podem gerar reações com intensa agitação e agressão dirigida a outros ou a si mesmo. Como também, as fontes de estímulos absorventes podem levar a comportamentos restritivos e repetitivos, dos quais é muito difícil desviar a atenção desses indivíduos. Por um motivo ou outro, o impacto das alterações sensoriais das crianças com TEA sobre suas vidas diárias é considerável e provavelmente subestimado, devido às suas dificuldades de comunicação.

Portanto, deve-se fazer uma avaliação formal da função sensorial na avaliação neurocomportamental de crianças com TEA e ser repetida periodicamente durante o acompanhamento, para atender às necessidades desses indivíduos, prevenir o máximo possível o surgimento de comportamentos disruptivos e, por fim, aliviar as dificuldades de suas famílias. Entender o impacto do impulso sensorial em cada experiência e criar estratégias para gerir cada situação, vai tornar a vida mais satisfatória, aumentando o bem estar para essas crianças e seus familiares.

Leliane Soares
Terapeuta Ocupacional
Crefito: 9096-TO

Rafaella Botelho 

A gente vai vivendo nossa vida no automático e quando o novo chega, a gente é obrigado a parar e refletir sobre a vida e o mundo que nos cerca. 
 
Passei mais de 20 anos esperando ter irmãos e a chegada deles, pra mim, significou quase como ter filhos. Foi muita expectativa, fizemos muitos planos e desenhamos todo o futuro deles com aquela vida bem padrão. 
 
O diagnóstico da Lis ao mesmo tempo que foi um alívio (ao entendermos e nomearmos tudo que estávamos passando) foi também um medo absurdo do futuro. De repente o mundo em que vivíamos simplesmente precisava ser todo adaptado e representava um grande perigo a ela.
 
Todas as dificuldades me prepararam para enxergar o mundo e as pessoas com mais empatia, a entender todas as acessibilidades que ainda precisamos e como estamos longe de sermos uma sociedade inclusiva. E aqui começou a luta. 
 
Não apenas uma luta com faixas e carreatas, mas aquela luta diária de conscientização no trabalho, na escola, até na fila do pão. Não perco nenhuma oportunidade de explicar e levar conhecimento a qualquer pessoa que esteja ao meu lado. 
 
Hoje já não moramos mais juntas e o dia a dia da vida dela não faz mais parte do meu. Mas o sentimento de luta continua existindo e ainda mais agora que serei mãe. 
 
Sempre digo que a Lis na minha vida significa despertar. Antes eu vivia apenas girando como mais uma engrenagem na roda da vida, hoje me sinto mais como uma ferramenta sempre disposta a fazer as engrenagens girarem menos no automático. Ela me despertou e eu procuro agir como luz também na vida dos outros. 
 

Rafaella Botelho 

Publicitária e irmã de autista

Cláudio Bezerra Leopoldino

Adultos com autismo ainda são pouco conhecidos e representados em nossa sociedade. Em nosso país o desconhecimento sobre os adultos com TEA é enorme, e passa pela falta de dados estatísticos sobre esta população. Mas o número de pessoas com autismo é significativo, e eles estão conseguindo galgar degraus cada vez mais altos no sistema educacional, fazendo a transição para a vida adulta. Eles estão chegando na universidade, o que é tão novo, quanto positivo e desafiador!

Não há restrição de área de conhecimento para as pessoas com TEA. Eles têm seus interesses e aptidões nos campos mais variados de atuação, e estão participando de processos seletivos por todo o país, alcançando a aprovação em muitos felizes casos. Como recebê-los na universidade, para que tenham o melhor aproveitamento possível? Antes de tudo, os autistas adultos devem ser vistos como estudantes com potencial de crescimento, podendo assumir posições na sociedade e no mercado de trabalho, independentemente das limitações que possam apresentar.

Mas em que um estudante autista adulto pode ser diferente, em termos específicos? Cada pessoa com TEA apresenta diferentes manifestações do autismo, em um amplo espectro de possibilidades, podendo ainda apresentar comorbidades. Certas pessoas podem precisar de bastante suporte, enquanto outras, de pouco, ou praticamente nenhum apoio. Algumas características já relatadas na literatura podem assustar docentes e gestores acadêmicos despreparados: maior sensibilidade a toques físicos, a barulhos e à luminosidade; necessidade de sair da sala de aula, para se autorregular; dificuldade em realizar atividades em grupo; problemas para se expressar e em ser entendido; comportamentos repetitivos, como girar ou se balançar na cadeira, ou ainda problemas para sair da rotina, ainda que seja necessário mudá-la. Estudantes com autismo podem ainda causar constrangimentos por serem excessivamente sinceros, perguntar em demasia, ou demandar explicações mais pormenorizadas das atividades propostas, em comparação com estudantes típicos. A solução é ser flexível, sem sacrificar a aprendizagem e a avaliação.

Adaptações no sistema de avaliação podem ajudar muito no progresso de estudante com autismo. A imposição de atividades avaliativas grupais pode ser fator de desistência para um estudante adulto com TEA, assim como a rigidez em negar que um aluno possa se reorganizar fora da sala, ou exigir comportamentos típicos de quem não é neurotípico. Em alguns casos, uma pessoa com TEA pode precisar de mais tempo que outros estudantes para realizar um teste avaliativo, e isso deve ser entendido com naturalidade. Podemos saber que adaptações são necessárias simplesmente conversando com o estudante, ou com seus pais, e podemos ser mais flexíveis em nossa sala de aula na universidade, assim como o ENEM já é em vários aspectos.

Compartilhar o que deu certo e o que não trouxe êxito com outros colegas docentes e gestores acadêmicos ajuda a disseminar o conhecimento, e pedir ajuda à secretaria de acessibilidade ou ao gestor acadêmico quando necessária, não é demérito. Devemos levar em conta que a formatura de uma pessoa adulta com TEA não é apenas uma vitória dela, e sim uma conquista para a própria universidade, com reflexos positivos em toda a sociedade.

Cláudio Bezerra Leopoldino

Professor Universitário (UFC) e pai de autista

Ana Karynne

Na primeira vez em que a escola sugeriu o autismo como resposta para as dificuldades que minha criança demonstrava ter na convivência com os outros alunos, confesso que não pensei muito e aceitei sem questionar o primeiro profissional despreparado me disse que eles estavam errados, assim como tantos outros que vieram depois dele e me garantiram que não havia sinal algum de TEA na minha menina.

Eu não sabia nada sobre o espectro autista, não fazia ideia sequer que era um espectro, e ao mesmo tempo em que queria entender o que acontecia com minha filha e reconhecia a mim (e vários familiares) nas situações que estávamos enfrentando, eu ainda acalentava a esperança de que não havia nada errado conosco e se eu tivesse paciência tudo ia passar como cada profissional despreparado me disse que aconteceria…

É que na minha família a gente não é estranho sozinho, sabe? Somos parecidos com quem já era estranho antes de chegarmos nessa vida e esse reconhecimento sempre facilitou tanto quanto dificultou nosso existir! E em função dessa “representatividade” eu cresci acreditando que todas as minhas inabilidades e “estranhezas” eram comuns.

Enquanto eu fazia listas, pesquisava e procurava motivos para ser ou não ser autismo, me descobri autista, claro que foi em um insight ou dois, mas aos poucos, a cada parágrafo, página e capítulo que eu lia, pensando bem talvez tenha sido mais a cada “característica” minha que eu via nela.

Mariana tinha um vocabulário além do esperado para sua idade, estava sempre disposta a interagir comigo, aprender coisas novas e construir brinquedos mas não olhava as pessoas nos olhos, era seletiva com alimentos, não falava com estranhos, tinha dificuldade para se regular emocionalmente, repetia frases e cenas de desenhos, não conseguia se conectar totalmente em conversas e precisava que as coisas estivessem sempre sob seu controle, além de ter verdadeiro pânico de mudanças e surpresas e eu poderia listar sem pensar muito dois ou mais parentes, incluindo a mim e meu pai, que faziam o mesmo. E foi essa associação que finalmente me fez ver que eu, tendo tido todas essas características tão nítidas e ansiogênicas por toda a vida, não estava bem e se não mudasse tudo, saísse do que eu acreditava ser minha zona de conforto e encarasse o autismo em mim, minha criança também não ficaria bem.

Eu nunca gostei de ser olhada nos olhos, tenho quase sempre o mesmo tom de voz e expressão facial independente do que esteja sentindo o que fez com que por muito tempo aceitasse o rótulos de fria e grosseira, por não saber expressar adequadamente minhas emoções e ter dificuldade em imitar comportamentos (apesar de lê-los facilmente), aprendi a suprimir o que sentia e depois analisar com objetividade, sinto ânsia de me esconder embaixo da cama a cada pequena mudança da minha rotina, sou propensa a compulsões e crises de agorafobia, não consigo ultrapassar obstáculos físicos com facilidade, estou sempre batendo e tropeçando em móveis e paredes (e mais de uma vez já tive que garantir a uma senhorinha bem intencionada que meu marido não me bate), preciso que piadas, sarcasmo e figuras de linguagem me sejam explicadas e se possível desenhadas, aprendo e memorizo padrões e assuntos do meu interesse mais rápido que a maioria das pessoas, crio sistemas para estar no mundo desde a hora em que começo a acordar e preciso organizar cada pensamento acelerado e ansioso que passa pela minha cabeça até não ser mais capaz de lidar com nenhum desses pensamentos e enquanto aprendia a dar suporte, estimular, encorajar e respeitar minha criança também aprendi a ter orgulho de cada tentativa por menor que fosse que uma de nós fizesse de estar em um mundo que não entende nenhuma dessas dificuldades e habilidades!

Desde o dia em que pela primeira vez ouvi “pode ser autismo” aprendi sobre neurodiversidade, orgulho autista, ativismo, deficiência, direitos humanos e políticas públicas.

Aprendi também que cada um de nós conhece, reconhece e vive um autismo diferente e nenhuma ou alguma nuance da minha história podem ser aplicadas a sua!

E mesmo que não nos conheçamos e que o dia 18 de junho ainda seja motivo de cisão e discórdia entre muitos de nós, quero te dizer que meu orgulho autista vai além de mim e da minha filha, pois ele se estende também a você e sua família, que apesar do medo, da negação, das dificuldades e dos dias ruins, têm seguido em frente e buscado ser e fazer mais e que desejo (talvez de forma um tanto egoísta) que nem que seja por um momento você se una a mim, em pensamento, e sinta orgulho por cada um de nós que autista, resiste e existe em um mundo que insiste em não saber nos acolher…

Ana Karynne Magalhães, mãe da Mariana, artesã e autista

Nathália Lobo 

A Nutrição no TEA é encantadora e, ao mesmo tempo, cheia de desafios. Imaginem lidar com uma diversidade imensa de alimentos e nutrientes – que combinados podem fazer mágica no nosso organismo. Mas imaginem também que nessa área da Nutrição encontramos, muitas vezes, a temida seletividade alimentar.

A seletividade sempre chega envolta em mistérios: pode ter aspectos orgânicos, sensoriais, comportamentais, nutricionais, ou vários deles juntos.  “Por que o meu filho não come?”, é a pergunta que a nutri sempre escuta nas consultas. E a alimentação inadequada pode ter um forte impacto sobre o bem estar e qualidade de vida da criança.

O comportamento seletivo na alimentação limita a variedade de alimentos na dieta, podendo levar a carências nutricionais significativas na primeira infância, favorecendo um maior risco para alteração da imunidade e problemas como a anemia ferropriva. 

Estudos demonstram que crianças com TEA  que apresentam esse padrão seletivo na alimentação podem apresentar aversão a  cores, cheiros, temperatura e texturas dos alimentos, características de rigidez de comportamento e inflexibilidade na alimentação e uma ocorrência maior de desordens gastrointestinais.

Não são todas as crianças que estão no Espectro que tem seletividade alimentar. Há pacientes que comem super bem, outros com compulsão alimentar, alguns casos de obesidade, outros de déficit no crescimento. E isso acontece porque somos seres biologicamente diferentes, não é?

Por isso, fica a dica da nutri: não generalizem a alimentação do seu filho. Ele merece e precisa de cuidados individuais. Fujam de promessas extremas. Uma boa alimentação é importante para todos. Comida de verdade é saúde!

Nathália Lobo

Nutricionista Clínica Funcional do CEATD (Centro Especializado em Autismo e outros Transtornos do Desenvolvimento)

Especialista em TEA e Nutrição Pediátrica